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OS REFLEXOS DA TEORIA DO LABELLING APPROACH (ETIQUETAMENTO SOCIAL) NA RESSOCIALIZAÇÃO DE PRESOS

 

 

OS REFLEXOS DA TEORIA DO LABELLING APPROACH (ETIQUETAMENTO SOCIAL) NA RESSOCIALIZAÇÃO DE PRESOS

 

Jhonathan Marques Santos [1]

 

RESUMO: É notório que as políticas de segurança pública adotadas no Brasil não são eficazes no combate à criminalidade. A estigmatização de classes sociais, o encarceramento em massa, as condições insalubres das penitenciárias e a reincidência de presos são alguns dos problemas enfrentados por aqui. Neste viés, o trabalho aqui apresentado tem como objetivo analisar as consequências da Teoria do Labelling Approach na ressocialização dos presos, sendo utilizado o método qualitativo de pesquisa, observando a legislação, doutrina e estudos científicos sobre o tema, obtendo ao final, resultados convincentes de que a etiquetagem de indivíduos e de classes sociais, aliado as péssimas condições das penitenciárias e a ausência de projetos voltados a ressocialização de presos, acabam levando os recém custodiados a reincidirem no crime.

PALAVRAS-CHAVE: Labelling Approach. Etiquetamento. Criminalidade. Penitenciárias. Ressocialização.

  1. 1.      INTRODUÇÃO

            Não é novidade que a criminalidade no Brasil vem aumentando, prova disso são os recentes dados que colocam o sistema penitenciário brasileiro como o terceiro maior do mundo em ocupação carcerária, atrás apenas de Estados Unidos e China.

            E como se não bastasse a superpopulação, os presídios ainda enfrentam problemas para fornecer o mínimo existencial para essas pessoas, como saúde, alimentação e repouso, fatores que juntos, aumentam ainda mais os níveis de criminalidade dentro e fora dos presídios.

            E em meio a esse aumento dos índices de criminalidade, é fácil verificar que as políticas de segurança pública adotadas por aqui estão falhando em aspectos importantes, como a salubridade das penitenciárias, a ressocialização de presos e a prevenção de reincidência.

            E nesse sentido, o presente trabalho se propõe a abordar a Teoria conhecida como Labelling Approach ou teoria do etiquetamento social, e analisar os seus reflexos na ressocialização dos presos.

            O presente trabalho, tem como objetivo demonstrar que a etiquetagem de indivíduos contribui para o aumento da criminalidade, e mais especificamente demonstrar que esse aumento da criminalidade se dará através da reincidência de ex-custodiados, levando-se em consideração que, se soltos, não alcançarão um nível de ressocialização satisfatório, tendo em vista as altas estigmas que recairão sobre eles.

            Essa abordagem é de suma importância para demonstrar que, para combater a criminalidade, é necessário muito mais do que varrer indivíduos para dentro de penitenciárias, é necessário ter políticas voltadas a combater o preconceito e estimular a mudança de vida.

            E para essas conclusões, foram utilizadas metodologias de análise doutrinária, legislativa, estudos acerca da criminalidade e estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, fornecidas através de órgãos competentes.

            Portanto, necessário se faz a abordagem do tema, pois é notório que as atuais políticas de segurança pública falharam, e falharam talvez, para tentar suprir o âmago de uma sociedade preconceituosa, que com o passar dos anos se especializou em rotular qualquer tipo de pessoa ou classe social. É necessário, uma mudança de postura, tanto das políticas de segurança pública tanto da sociedade, pois, só assim, os índices de criminalidade irão diminuir.

  1. 2.      CONCEITO E DEFINIÇÃO DE CRIMINOLOGIA

            Antes de adentrarmos de fato na teoria do Etiquetamento Social, necessário se faz tecermos algumas considerações acerca do conceito e do surgimento da criminologia, apenas para situar o leitor quanto ao conceito da matéria que estuda essa teoria.

            E para iniciarmos, trazemos o significado da palavra “criminologia”, pois é justamente nesse ramo do direito que os estudos sobre o fenômeno criminoso acontecem. Podemos considerar que a palavra criminologia vem da junção de dois outros termos, quais sejam: “crimino” do Latim (crime) e “logos” do Grego (estudo), que juntas deram origem ao termo CRIMINOLOGIA ou ESTUDO DO CRIME.

            Já quanto ao conceito de criminologia, sua definição possui variações de autor para autor, sendo conceituadas de acordo com o objeto de estudo de cada um.

            Para Penteado Filho:

A criminologia é como a ciência empírica (baseada na observação e na experiência) e interdisciplinar que tem por objeto de análise o crime, a personalidade do autor do comportamento delitivo, da vítima e o controle social das condutas criminosas. (2012 p. 19)

            Para José Cesar Naves de Lima Junior, a criminologia:

É uma ciência autônoma que estuda o delito, o delinquente, a vítima e o controle social da conduta criminosa a partir da observação da realidade, valendo-se de diversos ramos do conhecimento como a sociologia, psicologia, biologia dentre outros”. (2018 p. 58)

            Para Eduardo Viana a “criminologia é a ciência empírica e interdisciplinar responsável por subministrar elementos para compreender e enfrentar o fenômeno desviante (Viana, 2018 p. 147)”

            Passados os conceitos pessoais dos autores acima expostos, podemos considerar a que a criminologia é uma ciência baseada na experiência (empirismo), que tem como foco principal o estudo do crime e suas consequências, do criminoso e seus motivos que o levaram a cometer o crime, da vítima e do controle de novas condutas criminosas.

            Já quanto ao surgimento, a história não possui uma certa precisão de quem foi o seu precursor ou qual época de fato surgiu a criminologia, mas podemos delimitar temporalmente citando alguns autores que com suas obras entraram para história como pais da criminologia cientifica.

            Defendem alguns que a criminologia surgiu com Cesare Beccaria e sua obra Dos Delitos e das Penas (1764), outros com o médico italiano Cesare Lombroso e O Homem Delinquente (1876), outros que foram as estatísticas do Belga Adolphe Quetelet em sua obra Ensaio de física social (1835), ou Raffaele Garofalo com sua obra Criminologia (1885).

            Foi ainda nesse período que surgiram as chamadas escolas criminológicas, se destacando a Clássica e a Positivista. A Clássica, que podemos citar como precursor Cesare Baccaria, defendia uma visão “naturalista” do crime, sendo que o indivíduo tinha em suas mãos o livre arbítrio entre fazer o bem e o mal, sendo o crime, uma escolha feita entre eles.

            A escola ainda defendia a abolição das penas cruéis que eram comuns naquela época, defendendo que a retribuição ao crime deveria acontecer através de uma pena certa, justa e conhecida (Lima Jr., 2018, pag. 88).

            Já a Escola Positivista de Criminologia, que podemos citar como precursor Cesare Lombroso, trouxe uma nova visão do crime e do criminoso, apontando que o delito era fruto do determinismo, ou seja, o indivíduo nascia predisposto ao cometimento do crime.

            Foi através de Lombroso e seus estudos que nasceu o perfil do “homem delinquente”, sendo que indivíduos que possuíam certos atributos físicos [2] iriam em algum momento cometer um delito.

            É certo que antes de chegar ao modelo criminológico que conhecemos hoje, muita coisa aconteceu, diversas teorias e soluções para o fenômeno criminoso foram levantadas e é sempre importante saber de onde surgiram e quem foram os antecessores do que conhecemos hoje.

            Apesar de muita coisa ter sido superada, é inegável que estas Escolas Criminológicas foram um marco na história da humanidade, devendo sempre que possível serem citadas e dados os devidos créditos aos estudos que levantaram.

  1. 3.      A TEORIA DO LEABELING APPROACH

            A década de 60 nos Estados Unidos foi marcada por um período de “revolta popular”. Diversos grupos sociais se formaram para contestar algumas ciências que naquela época já possuíam certa consolidação na sociedade americana e mundial. (Shecaira, pag. 243, 2014).

            Foi nesse período que iniciaram os movimentos feministas contra o Machismo, movimentos contra o consumismo exagerado e também os movimentos antirracismo, encabeçados naquela época por Martin Luther King. Também foi nessa época que sugiram grupos a contestar o Direito, a Psicologia, a Sociologia e, também, o direito Penal e a Criminologia.

            E com a criminologia tradicional sendo criticada, procurou-se através de novos pensamentos explicar o fenômeno criminoso, já que as tradicionais explicações para o crime não possuíam resultados satisfatórios, ainda mais que, nos movimentos que surgiam naquela época, novos delitos foram surgindo e a criminologia tradicional já não possuía soluções para isso.

            Surge, então, em meio a toda essa movimentação crítica/ideológica, a teoria conhecida até os dias atuais como “LABELING APPROACH”, ou também, “TEORIA DA ROTULAÇÃO” ou do “ETIQUETAMENTO SOCIAL”, que mudaria de certa forma o cenário da criminologia mundial.

            Difundida por vários autores, mas em especial Erving Goffman, Edwin Lemert e Howard Becker (Penteado Filho, pag. 93, 2012), a teoria do etiquetamento social basicamente previa que as próprias instituições de controle social estigmatizavam os indivíduos, colocando-os perante a sociedade como criminosos, e consequentemente, contribuindo para que estes indivíduos se tornassem criminosos habituais.

            Em melhores explicações, segundo a teoria, a criminalidade não era um produto inerente da conduta humana, não é uma condição pela qual o indivíduo nasça inclinado ao cometimento de delitos, mas sim, a criminalidade é o resultado de um sistema altamente seletivo, que seleciona indivíduos por suas classes sociais e os rotula como criminosos.

            A teoria veio para desbancar o status de sociedade perfeita que o estado tentava demonstrar naquela época, disseminando a informação de que esse mesmo estado também era responsável pelo aumento da criminalidade.

            Sergio Salomão Shecaira teceu considerações neste sentido:

Assim, a ideia de encarar a sociedade como um “todo” pacífico, sem fissuras interiores, que trabalha ordenadamente para a manutenção da coesão social, é substituída, em face a uma crise de valores, por uma referência que aponta para as relações conflitivas existentes dentro da sociedade e que estavam mascaradas pelo sucesso do Estado de bem estar social. (2014, pag. 241)  

            A teoria ainda previa, em máximas mais extremas, que instituições como a magistratura, promotorias de justiça e delegacias de polícia contribuíam para a seleção e classificação de indivíduos como criminosos, possuindo, consequentemente, sua parcela de culpa no aumento da criminalidade (Baratta, pag. 93, 2002).

            Um fato interessante defendido pelos estudiosos, era que o próprio estabelecimento prisional acabava tendo uma finalidade diferente da pretendida, pois, ao invés de recuperar o criminoso e colocá-lo apto de volta a sociedade, acabava devolvendo-o de certa forma, pior do que havia entrado, isso pelo fato do contato com outros presos e as péssimas condições do lugar.

            Sobre esse ponto, José Cesar Naves de Lima Junior pontua que:

[...] teoria interacionista ou da reação social, encontra-se fundada na ideia de que a intervenção da justiça na esfera criminal pode acentuar a criminalidade. A prisão, e o contato com outros presos poderia criar novos criminosos, assim sendo e por essa lógica a criminalidade seria produzida pelo próprio controle social. (2018, pag.137)

            Apesar de sermos adeptos ao posicionamento de que as condições precárias do sistema carcerário e o contato com outros presos contribuem  para o surgimento de criminosos habituais (e consequentemente o aumento da criminalidade), é inegável que a teoria do etiquetamento social possui seus exageros, e por conta deles é que outra parcela de criminólogos vieram a tecer as suas insatisfações quanto ao tema.

            Dentre algumas críticas, mas nem tanto pelos exageros, alguns criminólogos contestaram a teoria por ela não oferecer uma solução eficaz para o combate à criminalidade.

            Que aliás, abrindo um breve parêntese para informar o leitor: o tema foi bastante criticado por não explicar em si o fenômeno criminoso, e não trazer soluções concretas para o problema (é aí o que se pretende informar!). A teoria do etiquetamento social não se propõe a solucionar a criminalidade em modo geral, longe disso, ela se propõe a demonstrar o que contribui ainda mais para o crescimento da criminalidade. E é aí que está o grande “X” da questão, pois ela se propõe a explicar o que a sociedade moderna não conseguiu compreender, que a rotulação seletiva de indivíduos contribui para o aumento da criminalidade.

            Para exemplificar o que o Labeling Approach queria dizer, imaginemos um indivíduo que cometa um crime de roubo:

            1) Cometido o roubo, as instituições de controle automaticamente vão considera-lo com um ladrão e assim procura-lo.

            2) Encontrado, ele será apresentado perante as autoridades como ladrão, e assim será condenado.

            3) No estabelecimento prisional ele será colocado com outros presos, que não o tratarão como um indivíduo a margem da sociedade (ao menos no caso do roubo), mas sim, como semelhante. Lá ele conhecerá novos presos, que também praticaram roubos e crimes ainda piores.

            4) Após o cumprimento da pena, esse indivíduo será colocado de volta na sociedade, mas não como um cidadão que “pagou seus pecados”, mas sim, como ex presidiário, que poderá voltar a praticar roubos novamente assim que tiver a oportunidade.

            5) Logo, esse indivíduo altamente etiquetado será considerado um outsider[3], que, pelo fato de ter cometido um crime, não mereça conviver em harmonia com os não desviantes. Aos poucos ele será excluído da sociedade “normal”.

            6) Excluído, ele será separado na sociedade e não conseguirá se encaixar novamente, pois os não desviantes não toleram ladrões ou pessoas que cometeram crimes. Logo, ele não conseguirá emprego, estudo, ou alguma outra forma de reabilitação, ficando vulnerável para ser encontrado por grupos de indivíduos semelhantes a ele.

            7) Sendo encontrado por grupos semelhantes ele e reunidos a margem da sociedade, ele estará vulnerável a cometer crimes novamente, e caso cometa, alcançará o status de reincidente no crime.

            8) Reincidente, ele se tornará um criminoso habitual.

            Nesse caso, a teoria do etiquetamento social trabalha com a etiquetagem de um indivíduo em si, não como um grupo ao todo. Mas ela também possuía previsões a respeito do etiquetamento de determinadas classes sociais, como por exemplo:

 

Reação social “X”

Jovem BRANCO é pego fumando

 Maconha

                               

Jovem NEGRO é pego fumando Maconha

  Reação social “Y”         

Quanto mais o indivíduo é etiquetado e colocado a margem da sociedade, mas ele vai mergulhando no papel de desviado, até chegar ao momento que ele se convence de que realmente é aquilo que a sociedade o considerou, ou seja, um criminoso.
            Veja que nesse exemplo, trabalha-se com a etiquetagem da classe, e não do indivíduo, sendo que para eles seria diferente a abordagem de um mesmo caso para duas classes sociais distintas. Enquanto o jovem branco pego fumando maconha seria considerado “um momento de rebeldia”, o jovem negro fumando maconha seria considerado como “maconheiro”, “vagabundo” e assim seria tachado.

            Nesse sentido:

O rotulo criminal, principal elemento de identificação do criminoso, produz as seguintes consequências: assimilação das características do rotulo pelo rotulado, expectativa social de comportamento do rotulado conforme as características do rotulo, perpetuação do comportamento criminoso mediante formação de características criminosas e criação de subculturas criminosas através da aproximação reciproca de indivíduos estigmatizados. (Cirino, pag. 20, 2008 apud Aniyar, pag. 111-14)

            Assim, com esses breves conceitos e exemplos a respeito da teoria, podemos considerar que a teoria do Labelling Approach é um marco na história da criminologia, pois, até aquele momento, a culpa da criminalidade era somente do indivíduo que cometesse o crime, e recluí-lo era a única e melhor forma de resolver a questão. Mas a teoria, então, deu uma profundidade ainda maior ao tema, pois informou que a criminalidade não era fruto somente do indivíduo que cometa o crime, mais também, daquele que o estigmatiza, separa, julga, e coloca a margem da sociedade.

            Adeptos ou não da teoria, é inegável que a sociedade moderna ainda não superou a etiquetagem de indivíduos e de determinadas classes sociais, e esses indivíduos e essas classes sociais devidamente etiquetados, geram consequências irreparáveis para a sociedade. São essas consequências, mas especificamente as relacionadas a etiqueta da reincidência, que será trabalhado daqui em frente.

  1. 4.      OS REFLEXOS DO LABELLING APPROACH NA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO.

            Em item anterior discutimos de maneira não muito prolixa as nuances da Teoria do Etiquetamento Social. Trouxemos de maneira breve a sua história, seus criadores, seus conceitos e tentamos, de maneira mais didática possível exemplificar as suas ideias.

            Daqui por diante, não se trabalhará com conceitos teóricos do tema, nem abordará as questões mais extremas da teoria, mas sim, tentaremos trazer ao caro leitor uma abordagem geral do sistema penitenciário brasileiro, seus mecanismos de recuperação de presos e as consequências de se ter indivíduos em processo de ressocialização enquanto estão altamente etiquetados pela sociedade.

4.1.            Da População Carcerária no Brasil

            Conforme já mencionado, não é novidade que o sistema carcerário brasileiro está em colapso. O Brasil possui hoje a 3º (terceira) maior população carcerária no mundo, perdendo apenas para Estados Unidos e China.

            Segundo dados oficiais do INFOPEN (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) órgão de controlado pelo Ministério da Justiça, em seu último levantamento (Junho/2019) o Brasil contabilizou 752.277 presos (Infopen, 2019). Desse número de presos, 347.661 estão em regime fechado, 125.686 em regime semiaberto, 26.874, em regime aberto e 3.127 em medida de segurança ou tratamento ambulatorial.

            Deste total de presos, o Brasil tem 253.963 presos provisórios, ou seja, aqueles que ainda aguardam presos o julgamento de seus processos.

            Os dados do INFOPEN também contabilizam, que 82,91% da população carcerária seja formada por homens, 4,61 são mulheres e os outros 12,47 estão em presídios considerados mistos (que recebem homens e mulheres).

            Ainda podemos considerar, que os números podem ser ainda maiores que os retratados acima, pois alguns estados da federação não conseguem ter um sistema preciso para contabilizar seus presos e consequentemente não conseguem alimentar os bancos de dado do Ministério da Justiça.

            A situação fica igualmente preocupante quando se começa a analisar quem são os indivíduos que figuram nas estatísticas de presos no Brasil, e quais suas classes sociais, suas etnias e etc.

            Segundo dados do INFOPEN, 63,64% da população carcerária brasileira é formada por pretos e pardos, ou seja, a grande maioria dos indivíduos que são presos no Brasil são negros. Nesta estatística, pessoas consideradas brancas representam 35,48%, enquanto indígenas e amarelas representam 0,89% dos presos. Desse número total, 54% dos presos possuem até 29 anos de idade.

            Já com relação ao grau de escolaridade dos presos a coisa consegue ser ainda pior, 51,3% desses indivíduos possuem o Ensino Fundamental Incompleto e 14,9% o Ensino Médio Incompleto, apenas 13,1 conseguem finalizar o Ensino Médio e 0,5 o Ensino Superior.

            Com todos esses dados e estatísticas, fica fácil perceber qual é o perfil do preso brasileiro:

JOVEM NEGRO

BAIXA RENDA

BAIXO GRAU DE ESCOLARIDADE

 

            É preocupante quando se chega conclusão de que o Brasil possui um “perfil” de criminoso”, e principalmente quando este perfil é de indivíduos que pertencem a uma classe social marcada por uma história de escravidão.

            Dá para se chegar a 2 (duas) conclusões de o porquê o Brasil possui esse perfil de criminoso, sendo elas: 1) – Esses indivíduos nasceram para o cometimento de crimes, 2) Eles são estigmatizados como criminosos.

            É aí que este tópico se encaixa no todo deste trabalho, pois a teoria de que indivíduos nascem pura e simplesmente para o cometimento de crimes já foi superada, só restando a conclusão de que, infelizmente, certas classes sociais, assim como indivíduos, são etiquetadas como criminosos.

            Sobre esse ponto, devemos ficar bastante preocupados com o estigma dessas classes sociais, pois nem se chegou ao tópico da “Estigma dos Reincidentes” e já se verificou que existem classes sociais etiquetadas como criminosas antes mesmo de se cometer um delito. 

            Isso definitivamente é perigoso, e precisa ser combatido!

            Mas combatido não só por políticas de segurança pública, mas também, pela própria sociedade, que deve combater qualquer tipo de incentivo ao preconceito e a discriminação racial.

            Novamente se frisa algo que já foi informado neste trabalho: não se procura aqui justificar a criminalidade em excesso e dizer que o estigma é única causa para problema, seria simplista demais de nossa parte. Aqui procura-se dizer que, o estigma de indivíduos e classes sociais contribui para ao aumento da criminalidade.

4.2.            Dos Mecanismos de Ressocialização do Preso

            Segundo o dicionário Priberam de língua portuguesa, a palavra “Ressocializar” quer dizer “socializar-se novamente”, ou seja, retornar ao convívio com pessoas, lugares e situações da forma como era antes (Priberam, 2020).

            Aqui quando se usa esta palavra, quer dizer que o preso após cumprir o requisito temporal para a sua liberdade, deve ser colocado novamente no seio da sociedade recuperado, de forma psicológica, emocional e moral, estando apto a conviver novamente em sociedade.

            Compreende-se que quando se usa esta palavra e procura seus significados de forma semântica a figura fica fora de realidade, principalmente quando se utiliza em um país que desconhece os mecanismos de ressocialização e acredita fielmente que a solução para a criminalidade seja simplesmente “chutar” os indivíduos para dentro das prisões e lá deixá-los morrer.

            É fácil encontrar soluções simplistas para a criminalidade aqui no Brasil. Não poucas as vezes encontramos indivíduos em Jornais, Televisões, Programas de TV e Redes Sociais apresentando soluções para assuntos que jamais compreenderam e o pior, estas soluções ( que não solucionam nada) parecem fazer o maior sucesso por aqui.

            É claro que o problema da criminalidade é bem mais complicado do que parece, e não seria solucionado de maneira simplista, rasa e desinteligente como vemos por aí. A questão é complexa e trabalhosa, e merece uma atenção especial não só dos governantes, mas de todo o povo brasileiro, pois são os alvos direitos do aumento da criminalidade.

            Cumpre esclarecer que, o Brasil não é de todo feito de soluções rasas, ele possui legislação especifica para cumprimento de pena e mecanismos para a ressocialização de presos, que mesmo sendo falho em sua execução, apresenta soluções concretas para a recuperação do preso e a diminuição da criminalidade.

            Não sendo muito prolixo, podemos citar como métodos de ressocialização dos presos a progressão de regime, que estabelece três fases para a liberdade total do preso, sendo elas o regime fechado, semiaberto e aberto.

            Também, o trabalho, que a cada 3 (três) dias de labuta garantem ao preso 1 (um) dia a menos de pena. O estudo, seja ele em ensino fundamental, médio, superior ou até profissionalizante, garantem ao preso um dia a menos de pena a cada 12 horas de frequência escolar. Podemos ainda citar as leituras, as palestras e projetos sociais elaborado pelos presos, tudo como forma de prepara-lo para o convívio social.

            Mas então, se o Brasil trabalha com mecanismos de ressocialização de presos, o que levou o país a ser a 3º (terceira) maior população carcerária do mundo?

            Pergunta complexa, que tentaremos explicar.

            De cara se verifica que o Brasil mais adota o sistema Dissuasor do que o Ressocializador, pois, o que se vê na pratica são políticas punitivistas, que visam o aumento de pena e o encarceramento a todo o custo, não olhando sequer para saber se as penitenciárias brasileiras possuem capacidade para receber tantos presos.

            A superlotação de presos, que é hoje (ou deveria ser) uma das maiores preocupações, continua passando batido nos pacotes de soluções propostos por deputados, senadores ou ministros, deixando os presídios brasileiros com déficit de 306.002 vagas (Infopen, 2019).

            Os presídios, que não fornecem condições mínimas de saúde, higiene e alimentação, acabam, juntamente com a superlotação contribuindo para a violência, a guerra de facções e proliferação de doenças.

            O trabalho, estudo e projetos sociais, em meio à crise que vive o sistema prisional, acabam sendo colocados de lado pelas políticas públicas. Reflexo disso é uma porcentagem de apenas 17,5% de presos envolvidos com alguma atividade laboral e apenas 10,5% com alguma atividade educacional (Infopen, 2017).

            Na pratica, as soluções apresentadas pelo legislador para ressocializar o preso e reduzir a criminalidade não surtem efeito, não por ineficiência das medidas em sua natureza, mas sim, por ausência de condições para a sua aplicabilidade. Sem verba e apoio, não há solução teórica que dê jeito ao problema.

            Nesse sentido:

[...] revela que a ressocialização é impossível de ser alcançada, seja porque ela, em si mesma, é paradoxal, seja porque, os meios oferecidos para sua execução são imprestáveis (LYRA, João Marcello, p. 192, 1992.

        Mas o problema da criminalidade não se resume apenas ao fato de as penitenciárias estarem um caos, seria inocência de nossa parte jogar a responsabilidade somente nelas. O problema da criminalidade é resultado de 3 (três) fases distintas, sendo duas já trabalhadas aqui: 1) O antes da prisão, com a etiquetagem de indivíduos e classes sociais, 2) A prisão em si, não oferendo condições de cumprimento de pena e ressocialização, e 3) Quando o indivíduo é colocado de volta na sociedade.

            Se as duas primeiras fases parecem não surtir efeito em relação a criminalidade, o que nos leva a acreditar que o indivíduo, quando colocado novamente em liberdade, irá sozinho se ressocializar e não voltar a delinquir?

            Resposta difícil, que merece tópico específico.

4.3.            Da Reincidência dos Presos

            Se de um lado temos uma cultura estigmatizante, que considera como criminosos determinados indivíduos e classes sociais, de outro temos um sistema penitenciário caótico, que não oferece condições mínimas de salubridade para o cumprimento da pena. Nesse cenário, seria prudente acreditarmos que o preso ao sair da penitenciária, conseguirá seguir a sua vida sem delinquir novamente?

            Evidentemente que não!

            E não é por motivos óbvios: se indivíduos e classes sociais são etiquetados antes mesmo de entrar nas penitenciárias, que dirá quando sair.

            Antes das etiquetas, podemos verificar que a ressocialização do preso após sair da penitenciária, dependeria muito da vivência e das experiencias adquiridas na prisão. O trabalho, estudo, palestras e projetos socias ajudariam na recuperação do preso, mantendo-o ocupado e dando perspectiva de oportunidade após sair da prisão.

            Mas a realidade não é essa, são poucos os presos que conseguem realizar alguma atividade em seu período recluso. O que acontece na prática, é que o indivíduo cumpre sua pena sem ter passado por qualquer tipo de mecanismo de recuperação, e pelas condições das penitenciárias e o contato com outros presos, acabam voltando as ruas piores do que entraram.

            E voltam não só piores que entraram, mas voltam estigmatizados como bandidos, ladrões, traficantes, e na melhor das hipóteses, ex-presidiários. Talvez esse fato pareça simplista para algumas pessoas, pois, se cumpriu a pena e saiu da penitenciária, consequentemente é ex-presidiário.

            O problema não é a nomenclatura dada, mas sim, as consequências que elas carregam, a carga social de se ter em seu desfavor uma passagem por roubo, furto ou tráfico de drogas por exemplo, não é fácil.

            A estigma que elas trazem são altamente prejudiciais na ressocialização do preso, como o fato de se arranjar um emprego quando se acabou de sair da penitenciária. Se não está fácil para o cidadão comum conseguir um emprego em meio à crise econômica, que dirá o recém custodiado que dependendo da vaga que disputar terá que apresentar certidão criminal.

            Outra consequência grave da etiquetagem desses indivíduos, é verificada no próprio seio social, pois é comum se verificar os olhos os tortos, as frases maldosas ou a desconfiança de que a qualquer momento estes indivíduos poderão voltar a delinquir.

            O indivíduo que se encontra sem emprego, sem estudo, sem renda e altamente etiquetado, vai aos poucos sendo colocado as margens da sociedade, pois não se encaixa mais nos padrões dos não delinquentes.

            É ai que se inicia As Consequências do Labelling Approach (e a justificação deste trabalho), pois o indivíduo que se encontra separado do convivo social e etiquetado como criminoso, vai aos poucos se convencendo que de fato é aquilo que a sociedade o considera, um criminoso (Zaffaroni, p. 130, 1991). E juntamente como outros indivíduos etiquetados como ele, acabam voltando ao crime e adquirindo a etiqueta da Reincidência. [4]

            Não é a intenção do autor reverter os papeis e dizer que são eles vítimas do sistema, nem apresentar uma visão romantizada acerca da criminalidade, mas sim, dizer que o etiquetamento de indivíduos e classes sociais, seja antes ou depois do cometimento do crime, acarreta consequências para a própria sociedade.

            A teoria do Labelling approach veio justamente para alertar sobre essas consequências, e dizer que elas acabam levando estes indivíduos a se tornarem criminosos habituais.

                        Nesse sentido:

Na verdade, esses resultados mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa (Baratta, pag. 90, 2002).

  É preciso olhar com outros olhos para esse problema. Não é normal que se tenha uma tantos indivíduos que retornem as penitenciárias após o cumprimento de sua pena. É preciso acreditar que a etiquetagem de indivíduos é um problema, as condições das penitenciárias é outro problema, e a reincidência outro problema. É preciso acreditar esses três problemas somados, acarretam um aumento na criminalidade, na forma como conhecemos hoje.

            Por fim, deixamos a visão de Franceso Carnelutti na obra As Misérias do Processo Penal, ao abordar a etiquetagem de indivíduos em sua época de advogado.

O encarcerado, saído do cárcere, crê não ser mais encarcerado; mas as pessoas não. Para as pessoas ele é sempre encarcerado; quando muito se diz ex encarcerado; nesta fórmula está a crueldade do engano. A crueldade está no pensar que, se foi, deve continuar a ser- A sociedade fixa cada um de nós ao passado (Carnelutti, pag. 44, 1957). 

  1. 5.      CONCLUSÃO

            O desenvolvimento do presente trabalho nos permitiu entender que o significado da palavra “criminologia” seria “Estudo do Crime”, e que basicamente esta palavra surgiu da junção de duas outras palavras que seriam, “Crimino” (latim) e Logos (grego).

            Nos permitiu entender que não existe um consenso em relação ao nascimento da criminologia como a conhecemos hoje, e que as únicas menções que se pode fazer são de alguns autores que, com suas obras, mudaram a história da criminologia, como por exemplo: Cesare Lombroso (O Homem Delinquente -1876), Cesare Beccaria (Dos Delitos e das Penas - 1764) e Raffaele Garofalo (Criminologia – 1914).

            No desenvolvimento foi abordado, dessa vez de maneira mais detalhada, que a teoria do Labelling Approach (etiquetamento social) nasceu na década de 60 nos Estados Unidos, tendo como principais criadores Erving Goffman, Edwin Lemert e Howard Becker, prevendo basicamente que as próprias instituições de controle contribuíam para o surgimento da criminalidade, sendo que o crime não era um produto inerente da conduta humana, mas sim, do próprio sistema que é seletivo e preconceituoso com determinados indivíduos e classes sociais.

            Após a análise do aspecto puramente teórico do tema, foi abordado as nuances mais práticas da teoria, e como sua influência é desde a prisão do indivíduo até a ressocialização do preso.

            Foi abordado  que o Brasil, após a análise de estatísticas de órgãos oficiais, possui um perfil de criminoso, sendo que esse perfil é formado por negros, de baixa renda e baixa escolaridade, podendo concluir que o etiquetamento social é exercido antes mesmo da prisão de indivíduos, acabando por consequência, formando um perfil de criminosos nas penitenciárias.

            Também foi levantado que o brasil possui mecanismos de ressocialização de presos, mas que pela falta de apoio e recursos, esses mecanismos acabam falhando no momento de serem executados.

            Por fim, foi abordado que o etiquetamento de indivíduos acontece de maneira mais forte após o cumprimento de pena, pois os mesmos saem das penitenciárias sem passar por qualquer tipo de mecanismo de ressocialização, e quando saem são estigmatizados como “bandidos”, “ladrões” ou na melhor das hipóteses “ex-presidiários”.

            Também foi trazido que a carga social de se ter uma estigma como essa é bastante forte, pois o indivíduo etiquetado como bandido ou ex-presidiário irá ter inúmeras dificuldades para conseguir emprego ou se encaixar novamente na sociedade.

            O desenvolvimento deste trabalho ainda buscou trazer uma reflexão a respeito do preconceito e das estigmas que a sociedade impõe, e buscou alertar que indivíduos altamente etiquetados como criminosos irão, em algum momento, reincidir novamente.

            Buscou-se demonstrar que, as consequências do Labelling Approach na ressocialização dos presos é a reincidência dos mesmos no sistema carcerário, e consequentemente o surgimento de criminosos habituais, e que as maiores vítimas de tudo isso, ao final, são a própria sociedade.            

  1. 6.      REFERÊNCIAS

Baratta, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal/Alessandro Baratta; tradução) Juarez Cirino dos Santos. – 3º ed.- Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.

Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP) Disponível em <https://dicionario.priberam.org/ressocializa> Acesso em 27/03/2020.

Lima Jr., José Cesar Naves de. Manual de Criminologia – 5º Ed. ver. ampli. e atual – Salvador: JusPodvim, 2018.

Ministério da Justiça e Segurança Pública - Departamento Penitenciário Nacional, Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Junho de 2019. Disponível em <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen>. Acesso em 26/03/2020.

Ministério da Justiça e Segurança Pública - Departamento Penitenciário Nacional, Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Junho de 2017. Disponível em<.http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatoriossinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf>. Acesso em 26/03/2020.

Penteado Filho, Nestor Sampaio Manual esquemático de criminologia / Nestor Sampaio Penteado Filho. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. Bibliografia. 1. Criminologia I. Título.

Roberto LYRA, João Marcello de ARAUJO JÚNIOR, Criminologia, 3 ed. – Editora Forense – 1992.

Santos, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical / 3º ed. – Curitiba: ICPC: Lumen Juris, 2008.

Shecaira, Sergio Salomão, Criminologia, 6 edi. ver. e atual – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

Viana, Eduardo – Criminologia – 6º Edição, ed. rev. atual. e ampl. Salvador-Ba, Juspodvim. 2018.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Tradução por Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991.                                                               


Jhonathan Marques Santos

Jhonathan Marques Santos

Advogado. Bacharel em Direito Pelo Centro Universitário de Goiatuba UNICERRADO. Pós Graduando em CRIMINOLOGIA pelo Instituto Faveni de Ensino - ES e Pós Graduando em Ciências Criminais pela Rede Juris – GO. Membro da Comissão de Direito Criminal da OAB/GO

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