A EVOLUÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL
Arthur de Souza Bastos
Ricardo Oliveira da Silva Júnior
RESUMO
O presente estudo possui como objetivo central a busca por elementos que abordem a evolução do direito à saúde no Brasil. Para o entendimento desse assunto, optou-se pelo desenvolvimento inicial dos aspectos históricos do direito à saúde no Brasil, perpassando por fatos e mudanças que ocorreram, a citar a Revolta da Vacina, momento emblemático na história brasileira. Em seguida, serão observados fatores que culminaram no reconhecimento do direito à saúde no âmbito da Constituição Federal de 1988 e a criação do SUS. Ao final, são estudados elementos do direito sanitário.
PALAVRAS-CHAVE: DIREITO À SAÚDE; CONSTITUIÇÃO FEDERAL; SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE; DIREITO SANITÁRIO.
I – INTRODUÇÃO
O presente estudo trata da evolução do direito à saúde no Brasil. Para tanto, o primeiro momento consiste na análise dos aspectos históricos do direito à saúde, tendo como ponto de partida a realidade vivida ao final do século XIX e início do século XX, momento em que foram tomadas as primeiras medidas no sentido de zelar da saúde da população, buscando conter e resolver problemas que assolavam a sociedade da época.
Posteriormente, o foco é trazido para a consagração da saúde como uma garantia dos cidadãos, o que se deu com as disposições da Carta Magna de 1988, para que se chegue ao conceito de direito à saúde e as questões colocadas pelas normas constitucionais. Por fim, serão tratados os elementos dos estudos que formaram o que se compreende como direito sanitário.
I - ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL
Os elementos históricos do direito à saúde no Brasil, começam a se delinear com informações e fatos do final do século XIX. Sendo assim inicia-se ressaltando o fato de que a população da capital federal, cidade do Rio de Janeiro, no final do século XIX e início do século XX passou de 520 mil habitantes em 1890 para mais de 1,2 milhão em 1920 (FREITAS NETO, TASINAFO, 2006). As construções eram precárias e tudo isso refletiu em graves problemas de saúde pública, deixando à mostra um lugar insalubre, sem nenhuma infraestrutura básica, sem legislação e fiscalização.
Diante disto, o então Presidente da República, Rodrigues Alves determinou que a cidade fosse reformada para que se formassem grandes avenidas e que fossem seguidos os modelos de cidades como Paris. Juntamente a isto, devido ao grande número de mortes em virtude de doenças como febre amarela, malária, tuberculose, varíola e por último peste, nomeou Oswaldo Cruz, como diretor do recém criado Departamento Federal de Saúde Pública.
Registra-se que no ano de 1904 morreram no Rio de Janeiro mais de quatro mil pessoas devido à varíola (FREITAS NETO, TASINAFO, 2006). Assim, é proposto projeto de lei que tornava a vacinação contra varíola obrigatória para todos, e no mesmo ano o Congresso Nacional, no mês de outubro realiza sua aprovação. Elucida Jorge Augusto Carreta (2009) que “esse ato das autoridades situa-se no contexto da forte intervenção oficial na vida da população, que teve como momento emblemático a destruição do cortiço Cabeça de Porco pelo prefeito Pereira Passos, em 1893” (CARRETA, 2009, p. 149-150).
Analisando a abordagem realizada por Sidney Chalhoub observa-se que a destruição do cortiço Cabeça de Porco, ocorrida em 26 de janeiro de 1893, não consistiu apenas em um fato violento, em que os moradores e suas necessidades foram desprezados. A base para tal ato foram as observações dos higienistas da época que consideram a promiscuidade e as habitações coletivas nos cortiços um problema de ordem pública e que isso era fator que contribuía para a irradiação de enfermidades (MENEZES, 1997).
Mesmo antes de ocorrer a chamada Revolta da Vacina, em fevereiro de 1904 conforme demonstra trecho do Jornal Gazeta de Notícias, foi aprovado um novo regulamento de higiene. O trecho é um resumo do código e foi publicada a matéria jornalística em 29 de fevereiro de 1904:
Há aí disposições minuciosas sobre a polícia sanitária, que visitará as casas particulares de três em três meses, e mensalmente as casas de habitação coletiva (casas de cômodos, pensões, hotéis, colégios etc.). As casas vagas não poderão ser alugadas sem que primeiro tenham sido desinfetadas e feitos os consertos indispensáveis à higiene, não sendo permitidos os porões com assoalhos de madeira. Há também disposições minuciosas referentes à profilaxia das moléstias infecciosas, estando consignadas medidas especiais, como a obrigatoriedade da notificação dessas moléstias, a qual, não sendo feita, acarretará penas severas não só para o medico assistente, como para o chefe da família ou o dono dos hotéis casas e pensões etc.; ou o enfermeiro, ou a pessoa encontrada junto ao enfermo (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1904, apud, CARRETA, 2009, p. 151).
Sobre o chamado Código de Posturas Municipais, fundamentado nos ideais de modernidade que estavam em vanguarda naquela época, o Então Distrito Federal, passou a se submeter a um código com mais de setecentos artigos. Elená Menezes (1997) sintetiza que os artigos do código que entrou em vigor regulamentavam licenciamentos, associou previsões do Código Penal da época e tornou alguns comportamentos crimes, foram impostas multas e penas, houve a normatização sobre o funcionamento das casas comerciais e de diversão.
Posteriormente a entrada em vigor do Código de Posturas Municipais veio a público a Lei nº 1261 de 31 de outubro de 1904 que em síntese tornou a vacinação e revacinação contra a varíola uma obrigação em todo o país. As disposições desta lei revogavam qualquer outro ato que fosse contra as determinações e trazia determinações sobre idade, período entre vacinação e revacinação.
A situação entre a população e o Estado, devido ao contexto da campanha sanitária, a obrigação de que todos fossem vacinados e a reforma urbanística, fez com que o povo começasse a agredir os vacinadores. O que fomentava tudo isto eram discussões polêmicas também sobre os efeitos das vacinas. Ao fim, a situação se agravou mais ainda, chegando ao ponto da população enfrentar durante dez dias as tropas governamentais, no evento que ficou conhecido e marcado como Revolta da Vacina. Consta nos livros de história que Rodrigues Alves decretou estado de sítio e revogou a obrigatoriedade da vacinação (FREITAS NETO, TASINAFO, 2006).
O chamado Departamento Nacional de Saúde, em 1920 passou a ter como responsável o naturalista, médico e sanitarista brasileiro Carlos Chagas, que no curso de suas ações promoveu políticas de educação sanitária, bem como propaganda para sua efetivação.
Ainda assim, na década de 1920 são criados órgãos que se atentavam ao zelo da tuberculose, lepra e doenças venéreas. Surge também a preocupação com a assistência hospitalar infantil, higiene industrial e saneamento (POLIGNANO, [s.a.]).
Somente no ano de 1930 é que ocorre a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública. Os estudos de Hochman (2005) esclarecem que:
O marco mais definitivo no processo de construção institucional da saúde pública enquanto política estatal foi a gestão do Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde Pública (1934-45), a mais longa permanência de um ministro nas pastas de educação e saúde. Foi a reforma do Ministério que, proposta em 1935 e implementada por Capanema a partir de janeiro de 1937, definiu rumos para a política de saúde pública, reformulando e consolidando a estrutura administrativa e adequando-a aos princípios básicos que haviam definido a política social do Estado Novo. Foi a partir dessa reforma que o Ministério passou a se denominar Ministério da Educação e Saúde (MES) (HOCHMAN, 2005, p. 131).
Dentro do período de gestão de Gustavo Capanema, ocorrem as chamadas reformas na saúde pública, que transparecia os ideais políticos adotados pelo então presidente Getúlio Vargas, a citar uma centralização política e administrativa. Para tanto, o Departamento Nacional de Saúde (DNS) no ano de 1937, passou a ter como responsável o médico João de Barros Barreto, que ao decorrer do ano de 1941 implementou a conhecida Reforma Barros Barreto, a qual teve dentre suas principais ações:
[...] instituição de órgãos normativos e supletivos destinados a orientar a assistência sanitária e hospitalar; criação de órgãos executivos de ação direta contra as endemias mais importantes (malária, febre amarela, peste); fortalecimento do Instituto Oswaldo Cruz, como referência nacional; descentralização das atividades normativas e executivas por 8 regiões sanitárias; destaque aos programas de abastecimento de água e construção de esgotos, no âmbito da saúde pública; atenção aos problemas das doenças degenerativas e mentais com a criação de serviços especializados de âmbito nacional (Instituto Nacional do Câncer) (POLIGNANO, [s.a.]).
No ano de 1953, surge no cenário nacional o Ministério da Saúde, consistindo numa subdivisão do Ministério da Saúde e Educação. Ainda no ano de 1956 cria-se o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERU).
No contexto da década de 1960, mais precisamente em 1964 o país passa por mudanças, haja vista que as forças armadas brasileiras tomaram o poder e instauraram o governo militar. Devido ao modelo de administração que passou a vigorar, muitas restrições ocorreram, a citar o fato de que houve uma grande restrição de competências que foram transferidas do Poder Legislativo para o Poder Executivo.
Nesse período da história brasileira o país se deparou com as entradas em vigor dos chamados Atos Institucionais, ao todo foram dezessete atos. A exemplo, menciona-se o Ato nº1, este realizou a modificação da Constituição do Brasil de 1946, no que tange as eleições, aos poderes e o mandado do Presidente da República, foram cassados mandatos do legislativo e afirmou que não haveria possibilidade de tais atos pelo Poder Judiciário.
Sobre o estudo vinculado especificamente a saúde ocorrem alguns fatos que devem ser mencionados. O primeiro ocorreu no ano de 1970 em que se deu a criação da chamada Superintendência de Campanhas da Saúde Pública (SUCAM) com o intuito de erradicar e controlar epidemias pelo país.
A implantação do Sistema Nacional de Saúde ocorreu em 1975, trazendo consigo uma sistematização das ações desempenhadas e “oficializa a dicotomia da questão da saúde, afirmando que a medicina curativa seria de competência do Ministério da Previdência, e a medicina preventiva de responsabilidade do Ministério da Saúde” (POLIGNANO, [s.a], p. 16).
A realidade vivida no plano orçamentário e consequentemente nas ações práticas do Ministério da Saúde como um todo, reforçavam uma situação de falta de recursos. Assim, após tantas regulamentações a imagem que se tinha do ministério era de um órgão que tratava de questões burocráticas e editava atos normativos.
No início da década de 1980, é criado o Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária e em 1983, com o intuito de unir a Previdência Social, Ministério da Saúde e o da Educação. Ressalta-se que são criadas nesse período as Ações Integradas da Saúde (AIS).
Contemporâneo ao período em que se iniciou o movimento das Diretas Já e a posterior eleição de Tancredo Neves em 1985, destaca-se o surgimento em 1982 da Associação dos Secretários de Saúde Estaduais (CONASS) e no âmbito municipal a CONASEMS que veio mais tarde, e já remonta a vigência da CF/88. Deve ser mencionada a VIII Conferência Nacional da Saúde, realizada pelo Congresso Nacional no ano de 1986, que trouxe elementos para a reforma sanitária que se desencadearia (POLIGNANO, [s.a]).
Depreende-se da observação de toda essa trajetória no âmbito brasileiro das políticas públicas atinentes a saúde inicialmente determinações do Poder Executivo, que foi migrou para o Poder Legislativo. Contudo com o golpe militar de 1964, e as mudanças ocorridas há uma concentração no Poder Executivo. Nesse panorama o Poder Judiciário, conforme será desenvolvido ao longo do próximo capítulo foi recebendo atribuições e sendo organizado no Brasil. Dentre os pontos que serão desenvolvidos oportunamente estão a criação do STF, em 1890, as suas atribuições e dos demais tribunais foram sendo delineadas ao longo do século XX, também ocorre a evolução do controle de constitucionalidade, as mudanças legislativas que inseriram a Lei da Ação Popular, Lei da Ação Civil Pública.
II - A GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Carta Constitucional de 1988, que serve como base de todo o sistema jurídico-normativo brasileiro, trouxe em seu texto disposições elementares sobre diversos temas, a citar aqui que ao expor sobre os direitos sociais elenca no caput do artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988). Esta é disposição atual, contudo, deve ser destacado que para se chegar a tal ocorreram alterações feitas pela Emenda Constitucional nº 26 do ano 2000, a Emenda Constitucional nº 64 do ano 2010, e a Emenda Constitucional nº 90 do ano 2015, evidenciando assim a atuação do poder legislativo quanto a esta matéria.
Por sua vez, o Título VIII ao tratar da Ordem Social, em seu Capítulo II que dispõe sobre Seguridade Social, possui a Seção II com o nome: “Da Saúde”. Assim, os artigos 196 a 199 são preciosos institutos jurídicos.
O artigo 196 é detentor do reconhecimento do dever do Estado com relação à saúde e dispõe:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988)
Estudos como o de Fernando Mussa Abujamra Aith (2006) trazem à baila o entendimento de que a saúde foi reconhecida no Brasil, como um Direito humano social, dotado de disposição constitucional nos artigos 6º e 196, mas também sujeito a disposição do artigo 5º, §2º da Carta Magna, que esclarece: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa seja parte”.
Atentando-se ainda às disposições constitucionais fica claro que sendo de relevância pública ações e serviços de saúde, fica incumbido o Poder Público de dispor em forma de lei sobre “sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado” (BRASIL, 1988). Obedecendo tal disposição, entrou em vigor a Lei 8080/90, sendo conhecida como a Lei Orgânica da Saúde, que será apreciada neste estudo em momento oportuno.
A possibilidade de que a iniciativa privada no território brasileiro preste assistência a saúde é disposição importante do artigo 199 da Constituição Federal de 1988.
No que tange ao artigo 198 e 200, observa-se premissas de que no Brasil deve ser constituído um sistema único, organizado e dotado de competências e atribuições contidas no próprio texto constitucional. As disposições incluem a participação da comunidade, atendimento integral, priorizar a prevenção e a descentralização do sistema que em momento oportuno fosse constituído, o modo de financiamento da saúde.
Mesmo com o advento da CF/88 e com as mudanças trazidas em seu texto posteriormente, observa-se que fica a cargo do Poder Executivo prover e coordenar por meio de seus Ministérios e Secretarias os programas, as ações da saúde e prover o custeio disso. O Poder Legislativo se atentou a necessidades de mudança e que se legislasse, podendo ser citadas a edição da Lei 8.080/90, a EC26/00, EC64/10 e EC90/15.
Condizente a isto, com a entrada em vigor da Constituição Federal, vieram não só a legitimação de direitos sociais, a saúde especificamente, mas também podem ser pontuadas as estruturas e competências do Poder Judiciário. A ligação da saúde com o âmbito jurídico pode ser vislumbrada de outra forma após a CF/88, havendo o estudo de uma área nova, que se estende além do Direito Penal, Civil, Administrativo, mas que possui ligações com outros ramos do direito além dos mencionados e que será estudado no próximo tópico: o Direito Sanitário.
III - ELEMENTOS DO DIREITO SANITÁRIO
Para que se compreenda o que vem a ser o Direito Sanitário, requer-se todo o entendimento e o esclarecimento de como a sociedade foi se deparando com situações problemáticas e diante disto construindo uma história com diversos significados e situações vividas que influenciaram o que se tem hoje.
A preocupação vivenciada na Europa, como os dilemas vinculados ao lixo, esgoto, aumento da população nas cidades, epidemias, entre outros foi emblemática nesta perspectiva. Já o Brasil, mesmo que em momento posterior ao europeu passou por experiência semelhante no final do século XIX e início do século XX.
Diante a todo o exposto no que se refere à saúde, há um outro campo das ciências que se desenvolve e trás a luz o foco da questão aqui estudada, o Direito, visto por alguns da seguinte forma:
O Direito apresenta-se como um dos canais, senão o principal, através do qual a sociedade procura alcançar o seu ideal de Justiça, ele serve para formalizar a importância que a sociedade dá a determinados valores, tenham eles origens culturais, históricas, religiosas, políticas, morais, ideológicas, econômicas, sanitárias, ou quaisquer outras possíveis fontes de valores sociais que podem vicejar no sei de uma sociedade viva (AITH, 2006, p. 67).
Colocado isto, inserido está no Direito, principalmente após a Constituição Federal de 1988 o chamado Direito Sanitário.
O Direito Sanitário é visto como o organizador e a seara que rege os serviços e ações tanto dos setores público quanto privado no que diz respeito à saúde e assim como toda disciplina jurídica, também é formado por um conjunto de regras e princípios para garantir que tais fins sejam alcançados (AITH, 2006. p. 115).
A ideia central do Direito Sanitário é que sejam implantadas medidas que reduzam os riscos de doenças, ou seja, medidas preventivas e que estas devem estar disponíveis a todos os cidadãos. Tais não se restringem apenas a atos normativos, mas sim, implantação de ações no âmbito educacional para que a população tenha maiores informações sobre cuidados e serviços como atendimentos hospitalares e de urgências.
Dentre os objetivos do Direito Sanitário e sua organização, não há como desvincular suas ferramentas de fiscalização e atuação sem que haja previsão e dotação orçamentária para tais. Em decorrência disto, estão entrelaçadas normas que dispõe sobre as competências dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, cada qual no que lhe diz respeito a participar da efetivação do direito à saúde.
Sabe-se que no Brasil atenção deve ser dada ao princípio da legalidade, ou seja, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988). Desse modo, não é diferente a situação do Direito Sanitário que ganhou traços elementares de sua formação e consolidação no texto constitucional.
A conexão entre o Direito Sanitário e as disposições constitucionais são evidentes, tanto no que diz respeito ao modo como são resguardados direitos aos cidadãos, a efetivação destes, a forma de organização estrutural, a legislação infraconstitucional que deve ser criada, as competências de órgãos, etc.
Não se pode esquecer que o Direito Sanitário é manifestação também do princípio fundamental da proteção da dignidade da pessoa humana, como preceitua Aith (2006):
O cumprimento do ditame constitucional que reconhece a saúde como um direito humano fundamental está diretamente relacionado com a proteção da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). O Direito Sanitário é, dessa forma, um dos pilares da República para a proteção da dignidade da pessoa humana (p. 74).
No estudo do Direito sempre é feita a divisão das matérias entre duas grandes áreas, que consistem em Direito Público e Direito Privado. Não muito diferente foi com o Direito Sanitário, contudo, peculiar esclarecimento sobre tal discussão é feita por Sueli Gandolfi Dallari que afirma:
O Direito Sanitário se interessa tanto pelo Direito à Saúde, enquanto reivindicação de um direito humano, quanto pelo direito da saúde pública: um conjunto de normas jurídicas que têm por objeto a promoção, prevenção e recuperação da saúde de todos os indivíduos que compõem, o povo de determinado Estado, compreendendo, portanto, ambos os ramos tradicionais em que se convencionou dividir o direito: o público e o privado. (DALLARI, 2002, p. 10).
Assim, encontra-se consenso no fato de que não é possível classificá-lo em um dos polos, pois está arraigado a outras áreas do direito, a citar: Direito Administrativo, Direito Ambiental, Direito do Consumidor, Direito do Trabalho, Direito da Seguridade Social e Direito Constitucional. Contudo, no cenário pós Constituição de 1988, observa-se consistência material suficiente pra se perceber uma autonomia existencial do Direito Sanitário, porém, não se pode deixar de lado a perspectiva de que há sim várias ligações com os outros ramos do direito (AITH, 2006).
Ainda assim, de modo pontual Sueli Gandolfi Dallari, ressalta a afirmação feita por Celso Antônio Bandeira de Mello de que o direito da saúde pública seria uma aplicação especializada do direito administrativo, por se adequar aos princípios básicos da supremacia do interesse público sobre o particular e da indisponibilidade do interesse público (BANDEIRA DE MELLO, 1980, apud, DALLARI, 2002, p. 10).
Diante de toda a exposição realizada, observa-se que devido ao processo de evolução da saúde e a consolidação do direito sanitário enquanto ramo especializado do direito vislumbra-se uma realidade em que a busca e efetivação de direitos tem ganhado força.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme a exposição histórica realizada a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, no ano de 1890, possuía uma população de cerca de 520 mil habitantes, mas em 1920 já tinha cerca de 1,2 milhão de pessoas. Nessa realidade as condições precárias das habitações, a presenças de muitos cortiços, refletiram em problemas de saúde pública, não podendo deixar de ser mencionado que ate então não havia legislação específica, nem infraestrutura básica e fiscalização.
Contudo, as mudanças surgem como reflexo do grande número de mortes atribuídas a doenças como febre amarela, malária, tuberculose, varíola e por último peste. Marco importante na história foi a nomeação de Oswaldo Cruz como diretor do Departamento Federal de Saúde Pública, que é contemporâneo ao momento desses fatos.
As medidas tomadas como a entrada em vigor do Código de Posturas Municipais refletiram diretamente na realidade do Rio de Janeiro, com uma legislação que regulamentou licenciamentos, tornou determinadas condutas crimes, assim como, foram impostas multas e penas para os que incorressem em alguma previsão específica. Outra medida tomada foi a Lei nº 1.261 de outubro de 1904 que tornou obrigatório no país a vacinação e revacinação da população contra varíola, isso despertou questionamentos e insatisfação, culminando no episódio que ficou conhecido como Revolta da Vacina.
Podem ser citadas ao longo do século XX no Brasil medidas tomadas por Carlos Chagas no combate a tuberculose, lepra e doenças venéreas. No ano de 1953 foi criado o Ministério da Saúde como subdivisão do Ministério da Saúde e Educação. Ao longo da decida de 1970 foi criada a SUCAM – Superintendências de Campanhas da Saúde Pública, assim como foi implantado o Sistema Nacional de Saúde e o Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária, na referida década.
Ainda assim, a Constituição Federal de 1988 consiste em um marco de extrema importante para o modo como se entende e compreende o direito à saúde no Brasil. Em seu texto, são abarcadas orientações de que uma lei deveria dispor sobre a estruturação e acesso a tal direito. Dessa forma, foi criado o Sistema Único de Saúde criado pela Lei nº 8.080/90.
Ponto importante é a concepção de direito sanitário, que já tem sido reconhecido como disciplina em algumas universidades e que pretende a implantação de medidas para evitar doenças, ou seja, atuação preventiva, com fiscalização e intuito educativo. Porém, um aspecto complexo é a necessidade de previsão orçamentária e as ligações entre as competências dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para efetivação do direito à saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, que se pauta pelos princípios que regem o direito público e que congrega os Secretários de Estado da Saúde e seus substitutos legais, enquanto gestores oficiais das Secretarias de Estado da Saúde (SES) dos estados e Distrito Federal. O CONASS foi criado em 3 de fevereiro de 1982 e tem sede em Brasília, Distrito Federal. É missão do CONASS é promover a articulação e a representação política da gestão estadual do SUS, proporcionando apoio técnico às Secretarias Estaduais de Saúde, coletiva e individualmente, de acordo com as suas necessidades, por meio da disseminação de informações, produção e difusão de conhecimento, inovação e incentivo à troca de experiências e de boas práticas. Disponível em: <http://www.conass.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=45&Itemid=7>. Acesso realizado em: 18 de junho de 2020.
A criação do CONASEMS sintetiza um processo histórico que remonta a década de 70, quando a chamada Reforma Sanitária lançou as bases do que futuramente se consolidaria como movimento municipalista. Contemporâneo da Constituição Cidadã de 1988, o CONASEMS foi criado com a perspectiva de construir um sistema de saúde que garantisse amplo acesso aos cidadãos e que fosse gerido de maneira democrática por municípios, estados e União. Após, mais de 31 anos de existência, a história da entidade se confunde com a própria organização e consolidação do SUS um processo que contou em todas as fases com a marca do CONASEMS. Esta ativa participação não foi casual, já que a descentralização, de acordo com as diretrizes constitucionais do SUS, elegeu o município como peça-chave na formatação do novo sistema de saúde. Inserido neste processo, o conselho ajudou a formular os critérios legais que orientaram a transição do modelo centralizador comandado pelo governo federal para o sistema descentralizado, que tinha como premissas a intervenção dos municípios e a participação da sociedade. Disponível em: <http://www.conasems.org.br/>. Acesso em: 19 de junho de 2020.
Tornou a redação do art. 6º da CF/88 a seguinte: Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Alterou o art. 6º da CF/88 que passou a ter a redação: Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, A alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Alterou o art. 6º da CF/88 que passou a ter a redação atual mencionada no mesmo parágrafo do texto.
Destaca-se que: “Dentre os 250 artigos existentes no corpo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, edição técnica de 2016, encontraram-se 23 artigos que versam, em algum momento, sobre a saúde (...). Em alguns momentos, relacionando-a enquanto direito e, em outros, dando especificações de direitos trabalhistas, da aplicação de recursos por parte dos respectivos entes federados brasileiros – torna-se vedada a acumulação de cargos e empregos no setor saúde, tanto na esfera da administração pública direta, quanto na indireta – até a necessidade de ações intersetoriais para garantia de direitos fundamentais.” Ver: VILAÇA, Danylo Santos Silva; REY FILHO, Moacyr. A Saúde para além do Artigo 196 da Constituição de 1988. In: Coletânea direito à saúde: institucionalização. Vol. 1. Brasília: CONASS, 2018. p. 59-60. Disponível em: <https://www.conasems.org.br/wp-content/uploads/2019/03/Institucionalizacao.pdf>. Acesso em 20 de junho 2020
Arthur de Souza Bastos
Doutorando em Direito Público pela Universidade de Coimbra (2018-2023). Mestre em Ciências Jurídico-Políticas com menção em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra (2016-2018), reconhecido pela Universidade Federal de Goiás. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (2009-2013). Advogado (OAB/PB 27.949B). Membro da Comissão de Direito Internacional da OAB/PB.
Ricardo Oliveira da Silva Júnior
Doutorando em Direito Civil pela Universidade de Coimbra (2017-2022). Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de Coimbra (2015-2017), título reconhecido pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Internacional-Uninter (2013-2014). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa- Unipê (2007- 2011). Advogado (OAB-PB 19.540). Professor da Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Previdenciário da UniFacisa.