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O abandono afetivo e a remoção do sobrenome do genitor

O abandono afetivo e a remoção do sobrenome do genitor

                                                                                                                                                                                                                                                                      

                                                                  Kelly Moura Oliveira Lisita 

Resumo

 

O presente artigo trata de um assunto não só de relevante importância como também de repercussão na seara do direito das famílias.A palavra abandonar gera forte comoção por parte das pessoas que a sentem no dia a dia. Nesse trabalho serão abordados inicialmente os conceitos de abandonos previstos em nossa legislação penal, punibilidade, elemento subjetivo do tipo penal, para uma vez compreendidos os conceitos e diferenças entre uma situação e outra,adentrarmos no abandono afetivo e suas consequências,situação existente,mas não tipificada em nossos códigos.O abandono afetivo pode ocorrer de ascendentes para descendentes e na forma inversa,ou seja de descendentes para ascendentes.

Palavras-chaves: Abandono, família, rejeição, afetividade, sobrenome de genitor.

1-Introdução

A palavra abandonar possui vários significados, no entanto quando o assunto recai sobre os filhos, principalmente menores, parece-nos que a expressão se reveste por maior gravidade. Nossa legislação penal discorre sobre os abandonos intelectual e material, trata de suas punibilidades, elementos subjetivos do tipo penal, ações nucleares, mas não tipifica abandono afetivo, assunto polêmico!

As maiores vítimas são os filhos, sejam biológicos, socioafetivos e adotivos e infelizmente o abandono afetivo tem suas raízes fincadas no divórcio, na dissolução da união estável, ou em relações extraconjugais, ainda denominadas de concubinatárias.

Pais necessitam com extrema urgência compreenderem que a dissolução matrimonial ou da união estável desfaz vínculos entre os cônjuges, os companheiros, mas nunca entre eles e seus filhos.

A Constituição Federal preleciona direitos para todos os filhos, sem qualquer distinção entre eles, logo os filhos advindos de um relacionamento merecem receber amor e atenção tanto quanto os do segundo relacionamento de seus pais com outras pessoas, mas infelizmente não há essa percepção por parte de muitos pais que acabam por se comportarem apenas como tão somente genitores.

Almeja-se que esse trabalho colabore para uma leitura célere, porém tão necessária para o aprimoramento de estudantes, profissionais de Direito e quaisquer pessoas que tenham interesse em um tema tão discutido em nossa atualidade.

Serão aqui abordadas as diferenças entre o abandono intelectual, material, suas penas e o tão lamentável abandono afetivo que surte sequelas ás vezes irreparáveis em suas vítimas.

02-Abandono intelectual

Nossa legislação penal pátria trata do abandono intelectual em seu artigo 246 e ocorre quando o pai, mãe ou responsável legal deixa, sem justa causa, de garantir a educação primária de seu filho.

A educação primária é a referente ao atual ensino fundamental, como algo obrigatório e recai sobre a idade dos 4 aos 17 anos de idade dos filhos porque ainda cursando o ensino médio, muitos são relativamente incapazes.

O objeto jurídico protegido é o direito do menor à educação, é impedir a evasão escolar e garantir que toda criança possa ter acesso ao processo de aprendizagem.

Objeto jurídico ou objetividade jurídica refere-se a todo bem protegido pela norma estatal, como por exemplo no caso do homicídio, do aborto, do infanticídio, a tutela recai sobre a vida. A pena para o abandono intelectual é de 15 dias a 1 mês de detenção, ou multa.

Um aspecto importante nessa tipificação é o elemento normativo do tipo penal que se amolda da seguinte forma:

                     “ Deixar de prover sem justa causa”, ou seja, serão punidos os pais que diante da possibilidade, não o fazerem”.

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90 trata em seus artigos 22 e 55 sobre os deveres dos pais nesse sentido.

                        Artigo 22 Estatuto da Criança e do Adolescente:

                    “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.

                 E ainda o artigo 55 do mesmo Estatuto:

                “Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.

Vale ressaltar que o artigo 70 do referido Estatuto descreve que é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente e a educação é indubitavelmente um desses direitos dos menores, sejam absolutamente ou relativamente incapazes.

O abandono intelectual pode gerar evasão escolar e contribui significativamente para um futuro sem muitas perspectivas culturais e profissionais dos menores em questão.

Outra forma de abandono intelectual por parte dos pais estabelecida pela nossa legislação penal, é permitir que um menor frequente casas de jogo ou conviva com pessoa viciosa ou de má-vida, frequente espetáculo capaz de pervertê-lo, resida ou trabalhe em casa de prostituição, mendigue ou sirva de mendigo para excitar a comiseração pública.

03-Abandono material

Trata-se de delito previsto no artigo 244 do Código Penal e que consiste na recusa de forma injustificada daquele que deve pagar, ou seja, de prover materialmente com o necessário para a subsistência da vítima, como deixar de pagar pensão alimentícia judicialmente acordada ou fixada, ou deixar de socorrer ascendentes (Pais) ou descendentes (Filhos) sem justa causa, sendo que a vítima pode ser cônjuge, convivente, ascendente portador de necessidade especial ou maior de sessenta anos, sem, excetuarmos o filho menor de dezoito anos ou inapto para o trabalho.A conduta do autor deve ser reiterada e a observação recai no elemento normativo “sem justa causa”.

A pena para esse delito é de um a quatro anos e multa de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no país, não se tratando, pois, de crime de menor potencial ofensivo. O não pa-

-gamento da pensão alimentícia judicialmente acordada ou fixada pode levar o devedor à prisão pelo prazo máximo de até 90 dias, negativação do nome e bloqueio em conta através de ordem judicial.

Sob a ótica de ROBERTO CÉSAR BITENCOURT, (2004, p.147), “em caso de abandono material, o objeto jurídico tutelado é o amparo material devido por ascendentes, descendentes e cônjuges, não exluindo ainda a importância da preservação da estrutura familiar”.

Trata-se de não cumprimento de obrigação de dar, que é civilista e também configura descumprimento a ordem judicial.

No mencionado artigo, conforme menciona a ilustre sabedoria de ROGÉRIO GRECO, (2008, p.669) “existem três ações nucleares que são: frustrar o pagamento da pensão alimentícia, não socorrer ascendente ou descendente gravemente enfermo ou ainda injustificadamente deixar de prover a subsistência da vítima.O delito é omissivo próprio e não admite a conatus, ou seja, a tentativa”.

O sujeito ativo é o credor e o passivo é o devedor da pensão alimentícia, outrora denominados de respectivamente alimentando e alimentante.

Salutar comentar que a pensão em questão pode ser a in natura ou in pecúnia, sem excetuarmos que os alimentos gravídicos (Lei 11.804/2008) também estão inseridos nesse assunto tão cotidiano. A pensão alimentícia é um direito previsto nos artigos 1694 a 1710 do nosso Código Civil e que garante a parentes, cônjuges ou companheiros a possibilidade de pedir a outra parte auxílio financeiro para que tenham condição de se alimentar, se vestir, estudar e cuidar da própria saúde.

04-Abandono afetivo

O abandono afetivo consiste na omissão referente aos cuidados, à criação, educação, assistência de natureza moral, psíquica e social que o pai e a mãe devem ao filho quando menores, sejam absolutamente ou relativamente incapazes.

O artigo 227 da nossa Magna Carta e o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), atribuem aos pais e responsáveis o dever geral de cuidado, criação e convivência familiar de seus filhos, bem como de preservá-los de negligências,discriminação, violência física, psicológica e moral de quem quer que seja.

Abandonar afetivamente significa agir de forma omissiva, abstensiva em situações vinculadas aos filhos.

São exemplos comuns dessa modalidade de abandono: não participar da vida escolar dos filhos, não comparecendo às reuniões escolares, omissão em relação às datas comemorativas como natal, ano novo e principalmente aniversário, dentre outras infelizes situações cada vez mais rotineiras para muitos jovens.

Existem dúvidas acerca do tempo de omissão dos pais para a caracterização do abandono afetivo. Pois bem, o referido abandono pode ter um lapso para sua configuração se atentarmos para o artigo 2º do E.C.A, mas é importante destacarmos que seus efeitos tem uma intensa e extensa durabilidade.

Logo, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 2º, in verbis:

                    Art. 2º “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.

           Parágrafo único. “Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade”.

 Abstraímos então que o abandono afetivo é um delito moral que ocasiona profundo abalo emocional e psicológico e gera por sua vez efeitos instantâneos, mas também permanentes.O filho adulto pode ser vítima do abandono afetivo vivenciado desde sua infância.

A dor conhecida como a “dor da alma” advinda pelo abandono afetivo não pode ser curada com remédios, apenas tratada.Medicamentos e terapias auxiliam inegavelmente nessa situação, contribuindo com muita ênfase para a diminuição de crises de ansiedade e noites não dormidas ou mal dormidas.

05-As consequências do abandono afetivo e ação indenizatória

As consequências do abandono afetivo são inevitáveis e ocasionam feridas emocionais que o tempo não consegue jamais curá-las. Destaquemos: crises de ansiedade, insegurança, complexo

de rejeição, na adolescência a fuga da realidade ou rebeldia através da ingestão de bebidas alcoólicas ou uso de substâncias entorpecentes, isolamento, comportamento agressivo, pesadelos, insônias.sem excetuarmos a baixa-estima, depressão e até suicídio, desenvolvimento de doenças auto-imunes, dificuldade em relacionamentos no âmbito familiar dentre outros.

O dano emocional ocasiona efeitos muitas vezes irreversíveis como o suicídio advindo da depressão.O abandono afetivo ainda que não tipificado é um ato ilícito, pois é contrário a moral, ao direito e aos bons costumes.

Quando comprovado o nexo causal entre o abandono afetivo e suas consequências é cabível a ação indenizatória, que consiste na reparação de um ato ilícito, conforme entendimento de nossa legislação civil pátria, em seu artigo 186, in verbis:

 Artigo 186 “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito ”.

 CAVALIERE (2008, p.71) manifesta-se acerca do dano, no sentido de que ele é o pressuposto mais relevante da responsabilidade civil, visto que não se pode falar em indenização sem sua ocorrência, logo para haver o direito à indenização a vítima necessita ter sofrido o prejuízo.

O abandono afetivo gera indenização não com o escopo de punir pais que não demonstram amor por seus filhos, mas por visar reparar danos advindos dessa situação.

A indenização consiste nesse caso em reparar o dano emocional que se reflete em dano moral sofrido pela vítima, haja vista os pais terem o dever legal e moral em criar e participar da vida dos filhos e não agirem apenas como mero colaboradores de material genético para sua concepção, existindo assim muita diferença entre ser genitor (a) e ser pai e mãe.

Com imensa sabedoria discorreram, PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA FILHO, (2017, p.1363) ”ser genitor   é o mesmo que ser pai ou mãe?

Haja vista a referida condição materna ou paterna ir muito além do que a simples situação de gerador biológico, com um significado “espiritual profundo”.

Para fins de indenização, no entanto, deve o magistrado analisar criteriosamente cada caso, a dor, a humilhação causados, suas consequências para a estipulação dos valores a   serem pagos, uma vez comprovados os requisitos para o deferimento do pedido da indenização.

06-Abandono afetivo e retirada do sobrenome do genitor

É possível alterar o sobrenome quando o casal contrai núpcias, com o divórcio caso seja a vontade das partes ou ainda quando há constrangimento em relação ao nome ou sobrenome.

Em relação ao abandono afetivo, há a possibilidade da retirada do sobrenome do genitor em casso de abandono afetivo. É possível, no entanto mediante a via judicial, desde que comprovados o abandono por parte do genitor.

O sobrenome indica a filiação de uma pessoa e retirá-lo é decisão a ser muito bem pensada.Ao excluir o sobrenome do pai ou da mãe, haverá a ruptura do vínculo biológico ou socioafetivo, o direito a alimentos e à sucessão.Do ponto de vista emocional, a retirada poderia gerar abalo de natureza psíquica.

Tem sido cada vez mais comum a retirada do sobrenome do genitor em face do abandono afetivo e o acréscimo do sobrenome da filiação socioafetiva, a verdade real prevalecendo sobre a biológica.

 07-Considerações Finais

O abandono seja em quaisquer de suas espécies, gera dor, constrangimento e muita humilhação. Sentir-se abandonado é algo que indubitavelmente ninguém almeja. As figuras de pai e mãe, não podem jamais serem confundidas com as de alguém que apenas contribuíram com o material genético para a formação e nascimento de alguém.

A legislação não obriga os pais a sentirem amor pelos filhos, mas visa proteger o melhor interesse do menor, incluindo nessa questão seus direitos como pessoa, cidadão, que independentemente de ter sido planejado ou não, é filho!

O presente artigo discorreu sobre os abandonos intelectual, material e afetivo tendo-se em vista a importância salutar de diferenciá-los para que o leitor pudesse compreender que uma espécie de abandono independe de outra, haja vista terem pais que pagam a pensão alimentícia, mas que são autores de abandono afetivo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é um guardião dos direitos das Crianças e dos Adolescentes e ilustrou esse artigo de forma a contribuir para o reforço das obrigações maternas e paternas, afinal, filho é responsabilidade para toda a vida.

Filhos são bênçãos, merecem respeito e acima de tudo dignidade.O abandono afetivo fere moralmente a criança e o adolescente, cerceando-lhes o direito de ter sua dignidade.

Referências Bibliográficas

Alimentos Gravídicos Lei 11.804/2008

Disponível em http://www.planalto.gov.br

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. São Paulo:Saraiva,2004

BRASIL, Código Civil Brasileiro.Lei nº 10.406, de 10/01/2002

Disponível em http://www.planalto.gov.br

CAVALIERI FILHO, Sergio - Programa de Responsabilidade Civil. 8º Ed.-São Paulo: Atlas, 2008.

­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­______, Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº 2.848, de 07/12/1940

Disponível em http://www.planalto.gov.br

_______, Constituição da República Federativa do Brasil, do ano de 1988

Disponível em http://www.senado.leg.br

Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA Lei 8069/90

Disponível em Disponível em http://www.planalto.gov.br

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona.Manual de Direito Civil,1º Ed; Saraiva,2017

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Especial. 5ª. Ed; Niterói: Impetus, 2008.


Kelly Moura Oliveira Lisita Peres

Kelly Moura Oliveira Lisita Peres

Advogada Civilista.Pós-graduada em Docência Universitária pela UCAM RJ e em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UCAM PROMINAS.Docente Universitária nas áreas de Direito Penal e Direito Civil.Tutora em Educação à Distância.

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